domingo, 27 de janeiro de 2013

Mudança



Eu mudo, tu mudas, ele muda. Nós mudamos. Mudamos. Eu, meu marido, nossos pequenos de quatro patas, as plantas e as coisas acumuladas nos primeiros cinco anos de casamento. Voltamos de uma pacata cidade do sul de Minas para nem tão agitada BH. Nem tão agitada, mas muito agitada ao nosso gosto. Aos nossos costumes. Nossa vida de família isolada.  

Mudança repentina, feita com sorte, nada se quebrou, nem molhou. O único problema foi ter ido para casa errada. Esperávamos uma coisa e foi outra. Do plano A para o B foi um pulo. Um pulo distante, complicado.

Complicado porque todas as coisas ficaram por mais de um mês desorganizadas nas caixas enquanto a nova casa de destino, muito antiga por sinal, iniciava uma reforma. Se as caixas de mudanças já são terríveis, imaginem: caixas + reforma + três cachorros na casa errada + ladainha e outros problemas.

Como é bom ter o nosso espaço! Um cantinho no mundo com aqueles que nos fazem bem. A estante de livros no quarto de estudos. As roupas guardadas no armário, a prateleira com as maquiagens dispostas. Plantas vistosas, cachorros brincando.

Levar tudo embora num caminhão e recomeçar de novo. Refletir. Valorizar coisas simples. Sentir novamente o gostinho de recém-casados. Talvez seja isso. O lado bom de toda essa confusão, fortalecimento dos laços, amadurecimento. 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Dies Faustus

Dies Faustus

Já era um pouco tarde. O sol desobediente de uma summertime, confundia as retinas dos que saiam daquele grande monstro cinzento. O vento úmido que vinha pelo hálito exasperante dos Macacos,golpeava as pilastras duras daquele universo maciço e se confrontava com o ar seco da Mangueira, formando duas estações num mesmo horário.
O suor ácido corria pelo meu cérebro denotando cansaço. O tempo abafado não me deixava nem mal,nem bem humorado. Depois de sair de uma fastiosa aula de Direito do Consumidor, em pleno dia de Vênus, encharcou minha pele de todos detritos orgânicos produzidos por uma certa insatisfação. Antes de entrar no elevador,me dirigi ao mictório para que mais líquido saísse de mim. 'Tudo que nos envenena, deve sair por algum canal", lembrei da célebre frase,construída improvisadamente  pelo meu brilhante mestre em Direito Penal.Coincidentemente, esbarrei com ele,jactando ao meu lado. Por um breve tempo, fomos parceiros de urina lançada. Não olhei para ele enquanto fazia minha meditação líquida,mas o gordo homem fazia um chiado de mangueira lavando carro, sem se preocupar com os danos do desperdício. Comigo a coisa só gotejava (percebi e comparei a partir da vibração da micção). Será que  eu era um graduando gotejador? De mim só saiam urinas e outras substâncias infelizes cuja coloração amarelo febril manchava a louçura. Atentei-me a isso,porque num instante infimal, vi que a catarata densa do brilhante mestre de boca murcha e sinistramente torta, vazava cristalina. Será que os homens que urinam límpidos e puros são mais vivazes e espertos que os outros?Refleti sobre o que nunca é refletido. O barrigudo,porém brilhante docente não me encarou quando balancei tenuemente  meu maxilar,mencionando um cumprimento discreto.. Ele já deveria ter reparado no resto de urina alaranjada no urinol e avaliado o tamanho da minha mediocridade.
Não liguei muito pra isso. Quando era menino,sempre fui o  primeiro da fila por causa do meu econômico tamanho. Olhava os mais altos como se parecessem com os prédios assustadores da universidade.Hoje devo ser mais alto que os mais altos de outrora. Um dia sempre será do Cão. Ainda espero o da raposa.
Peguei o elevador, o que se sucedeu nele foi tão estreito e sem-graça que só me lembro de ter visto gente com um ar de falsa felicidade,por ter tirado 9,5 e 10 nas avaliações. Grandes bobagens! A meta inicial,verdadeira e ideal  para um indivíduo de sucesso e competência deveria ser de 15 pontos.,no mínimo. Dez é para os fracos como eu, que não apsso de mísero inseto que se esconde assustado, ao redor dos pilotis, com medo da opulência dos prédios. Todos os graduandos, como eu, mauricinhos muitas vezes,não passavam de príons, viruloides, de seres semivivos que lutavam por um canudo pedante que só serve para alimentar egos ancestrais. O apogeu deve ser maior do que isso. O universo não pode ser limitado ou quadrado, como as lentes dos óculos do reitor assexuado. O universo precisa seguir sua fúria expansiva. E ao caminhar por aquela selva de concretos, só o fosso da arena e o palco em forma de garganta depravada, à espera  de algo malvado pra preenchê-la,lembrava a natureza selvagem e vívida do Cosmos. No meio do moros mar dos infelizes,um público (pequeno,mas ávido), ansiava por um gol,um placar,por emoções há muito abafadas. Por uma Medeia vingativa e bárbara,por um Nélson, colocando nos lábios de suas protagonistas, o veneno da traição e as mais sublimes palavras,ou um Plínio, com seu exército de figuras advindos de um submundo não distante.No meio daquele contingente discreto ( a plateia),os atores  e atrizes subjugavam o mundo paralelo. Entre atores, não há grandes leis,pensei. Matam,suicidam-se,tramam as mais vis intrigas e amam. E como amam! Odeiam também. No meio da insignificante multidão, só os atores reinam. O poeta deveria ter dito : "só as mães e os atores são felizes". A verdade é que só considero "atores", os felizes.
Depois desta minha súbita impressão acerca do mundo,passei pelo portão que se dirige a passarela do Metrô. Desci uns degraus e a cada passo descendente, a alegria que encontrei no movimento cênico anterior, foi se agachando e em cada personagem que por mim passava, imaginei um crime horrível e insolúvel por trás. Esta ( a de vestido amarelo e batom fortemente vermelho), sufocou a pr´pria cria num momento de depressão dramática. Foi julgada pela vizinhança,ouvida pela junta médica e perdoada pelos corações do poder. Este, (o de terno marrom totalmente desalinhado à gravata estampada),matou os pais que não lhe deram dinheiro. Não cederam às suas chantagens, entregaram as suas vidas ao pó sujo que encobre as infelizes vidas, em troca do pó branco, que proporciona momentos de intensa maravilha, tal qual o pó de pirlimpimpim. O jovem, filho da casta mais nobre tijucana, conseguiu um um competente advogado que alegou desespero e maus-tratos na infância, agora passeia pelo curso de Direito,  e que entre uma gelada no 40º e meio período em sala, sonha em libertar seus semelhantes e abrir os corpos da Lei à exaustão.
Aquele de óculos escuros...
Enxerguei a mim mesmo e estanquei  estas descrições chatas. Tentei arrancar de mim,este ranço de estudante de Direito, falso intelectual, que se acha o grande leitor de Dostoiévski.
Ao sair finalmente daquela quase cidade, fui em direção a rampa do Metrô. A rampa mortal,na imaginação e temor de alguns. Não para mim. Sempre gostei daquele desenho geométrico,do vácuo que se formava abaixo dela e possibilitava um mundo mais sombrio,apenas de sentidos. Quando a palavra "sentidos" se formou na minha mente, notei que um odor exalado pelas cabanas mendigas que se exilavam naquele claustro semi -aberto. O fedor, que repele e afasta é a essência mais nobre e verdadeira dos seres e das coisas. É o que nos acompanha. O que nos é garantido quando a terra desferir seu soco austero contra nossa matéria perecível. Quem consegue ultrapassar o cheiro de urina, fezes,ratos mortos,lixos queimados, vícios misturados às colas e resto de gasolina. Só os fortes conseguem descortiná-los. E nessa imensidão putrefata, onde todos os excrementos se combinam e harmonizam, assisti ao enlace amoroso de um casal, que deveria possuir,no máximo, uns quinze anos a mais do que eu,mas que pela rugosidade de uma vida crua e desprovida de maquiagens, aparentavam a decadência certeira da humanidade. Amavam-se diante de uns cinco ou seis filhos- crianças seminuas,rotas,descalças, cujas salivas banhavam as pústulas diversas. Entre a feliz família havia um cão magérrimo, de corpo longo,uma pelugem desarmônica,adornado por diversos caroços. Era à primeira vista,um bicho doente e feio,cuja baba incessante e mancura davam um aspecto tétrico e pavoroso. Excetuando o olhar cândido que saltava pelos glóbulos adoecidos, conferindo assim, um sinal de cordialidade,nunca vista por mim,seja em em animal ou ser humano ( há diferenças?). Pode-se dizer que é um Cérbero ameno,protegendo aquele Inferno público.
Uma fogueira pequena engendrava um odor de gasolina e cola que foram irritando minhas retinas, Afora isso, eu era somente contemplação.
O cão me olhava desconfiado(porém tímido) e só ele deu por mim. A família invisível ao mundo,me tinha invisível também. Eram dois mundos separados por um complexo espelho côncavo. Tive a sorte de atravessar o espelho e conseguir vê-los. Cada um deles, tinha um nome, batizei-os um a um: Ulisses, Sara, Suzana,Glória, Heleno,Bartolomeu...Tinham idades exatas,talentos e vocações diversas, seria capaz de lhes dar signos diferentes ( caso eu acreditasse). Fiquei tão maravilhado por ser um expectador privilegiado daquele circo de horrores e vidas, daquele drama complexo, do grande espetáculo gutural. Como o mundo deixou escapar de si, exóticas criaturas? Todo e qualquer ator ou personagem passa a ser medíocre e desnecessário diante de um Ulisses, de uma Sara... Que autor conseguira fugir da sua inércia intelectual, penetrar e riscar no papel ou no word, incomparável enredo. Ai se  eu possuísse a verve febril dos literatos!...
Minha atenção ia e vinha,ora pra mim,ora pra aqueloutros. Meu egotismo era dilacerado por aquela película viva e dinâmica. No meio de meu frisson , quase sentei no chão coberto de lama e bostas . Mas não! A impossibilidade de ver minha calça tergal (Vila Romana) suja me coagia. Tentei ser o mais nulo possível. O que me interessavam eram os outros. Tinha que ser o mais imperceptível possível. Se acaso, saíssem de seus transes, perderiam o encanto grotesco que me atraía,ou poderiam sofrer do mal adâmico, e se cobrirem de vergonhas,pudores. Repetiriam os mesmos infortúnios que a civilização adoecida sofrera. Jamais! Deve haver uma maneira de usar esse teatro de feras no mundo das luzes. Mas como transgredir esses limiares sem  que haja perda ou empobrecimento? Sem que haja síndrome de jesuítismo? Como fazê-los passar pela luz do dia, sem que o mundo tente coibi-los e pervertê-los? O mundo nunca mudaria por eles,pelo contrário,os assediaria e os reduziria ao nada e a insignificância de ser "alguém".
Preciso achar um meio de trasladar ,perfurar as muralhas que separam os dois mundos, sem que com isso despersonalize os personagens. O artista necessita tomar cuidados ao manusear sua obra, defendendo-as das mãos corsárias. Se eu construir um monumento a partir destes seres- meu material- serei mais cristalino,puro e brilhante que meu mestre balofo e murcho.
Na multidão da catarse convulsiva do meu pensamento,olhei pra carne de Suzana,a menina mais alta,talvez a mais velha, devendo contar uns doze anos. Olhei e olhei pra aquela pele com poucas pústulas ou feridas, aquela silhuete em processo de metamorfose e reparei que daqui a dois anos ou em questão de meses,irromperia do casulo, uma perfeita mulher, cuja beleza seria perfeita pra mim. Uma beleza ignorada e invisível ao mundo,contudo,possível. Então, senti meu corpo mais sórdido vibrar e imaginei as coisas mais profundas e lúgubres naquele corpo. O que muitos bradariam como crime, aberração,perversão, eu nomearia como amor. E vislumbrei todas as formas de amor com aquele súcubo pueril. Neste encadeamento de paixões, vi as lambujas, as secreções,os afagos,as sujeiras decorrentes . Poderia ser o ato mais perverso,bizarro e hediondo.Mas seria amor na sua forma mais impossível e plena. Amor- este ser traquinas, de formas rechonchudas e sorriso sonso. E me vi apaixonado, de longe- sem tocar em ninguém. O medo estalava me meu peito; os julgamentos,as desonras,a comoção,as penalidades, as sanções. Gelei. O amor não pôde ser mais forte e sucumbi ao temor. Voltei a fazer parte da parelha dos vencidos. Não consegui nem tirar do bolso a nota de vinte reais que iria oferecer para a consumação deste sentimento. Sim,pois o amor requer troca, valorização e oferta.Até pensei em deitar a nota ao chão  a fim de que a família o percebesse, em algum momento, e usufruísse. Porém não fiz isso. Não desperdiçaria meu amor no solo,sem que houvesse a garantia de frutos. Seria tão imoral quanto a falta de Onan.
Saciado (por hora) daquela refeição de ideias, fui me despedindo,aos poucos daquele cenário dantesco e descortinando os perfumes fétidos que me rodeavam. Saí de baixo da passarela, voltei rapidamente meu pescoço pra trás( pois tive a impressão de que Suzana me espreitava), não era nada. S ubi a rampa. Eu continuava sendo a mesma massa invisível dantes. Continuei levando comigo as visões e cheiros enlamaçados. Aquele ar repulsivo ( ao mundo),me tornava grandioso ( não sei por que),mas tenho a nítida certeza de que pela primeira vez,tive um dia feliz.
Ao colocar meus pés em um dos vagões e jogar definitivamente meu corpo pra dentro dele. encarei uma turba de caras sem rostos. Deliciosamente voltei meu pescoço pra baixo,e cinicamente sorri.


Paulo Sérgio Vieira

domingo, 13 de janeiro de 2013

O Negócio é "Money" no Bolso


    

Deixe seu filho acreditar que seu primeiro presente, quando pequeno, como um vídeo-game, é seu primeiro momento de felicidade, ou seu momento mais feliz desde que nasceu. Porque é muito lógico, não obstante essas pessoas que se acham interessantes por terem uma boa formação cultural ou terem um conceito de que é preciso se conhecer e se encontrar dentro da sociedade, de modo a fazer bons amigos, ou que pensam que a felicidade pode estar em coisas simples…, que é preciso em primeiro lugar se preocupar com quanto é preciso ter de “money” para comprar ,quando crescer ,uma casa grande com piscina, móveis ultramodernos  e uma enorme tevê. Assim seu filho vai crescendo… sempre com a ideia  que se deve ter para viver nessa espetacular sociedade capitalista. Seu filho aos dezessete anos vai estar numa escola cujo principal objetivo, que é o que é preciso ter em primeiro lugar, é aprovar seu filho no vestibular da melhor faculdade do país, segundo o pensamento da elite da qual ele quer fazer parte, unicamente, é claro, porque tal faculdade vai prepará-lo para que se formando ele vá atuar numa empresa de primeiro mundo, na qual o objetivo, unicamente, é obter o máximo de lucro, pois consequentemente todos que atuam nessa empresa vão poder ter o carro zeríssimo do ano, aquela cobertura de frente pra praia mais linda que existe, e num prédio que tem uma bela sauna, piscina olímpica, academia e restaurante; sem precisar, assim, nem andar para comer…
Bom, logicamente você vai ter o filho que sonhou, que entre um dia de uma oportunidade de venda-milionária- na  empresa, da área que ,no momento , é a melhor para atuar, pela razão de  nela “a chance de ficar milionário ser altíssima”, que poderia ser tratada por seu excelente representante, e ir ao enterro de seu pai, o “avô”dele, que já estava bem velhinho mesmo e na hora de partir ,ele vai se encontrar com o tal milionário que vai deixá-lo ainda mais rico , fazendo um grandioso negócio. Apesar de que a venda pudesse ser tratada com o representante dele, seu filho não poderia perder a chance de ver aquele cheque cheio de zeros da primeira parcela…e você vai entendê-lo, pois um pedaço de papel com cifrão está acima de qualquer valor, como você o ensinou.
Meus parabéns, você será o pai do século, e seu filho, o homem que você pediu a Deus, que mesmo sem uma grande causa, pelo dinheiro ele falta ao enterro do avô, que lhe fez muitas coisas boas e proporcionou momentos inesquecíveis. Aliás , se for preciso ele manda te meterem uma bala, pra poder continuar com seu grande e feliz estilo de vida.